quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A importância do Radioamadorismo


No momento em que você leitor acompanha este texto, milhões de pessoas em todo o mundo estão usando as ondas eletromagnéticas para se comunicarem. Elas fecham negócios por celulares, iniciam namoros em chats na internet wireless, conversam com parentes pelo Talk About, escutam a estação de AM ou FM predileta durante o trajeto ao trabalho, etc.

No entanto existe uma parcela dessa sociedade com interesse não apenas na aplicação da tecnologia. Eles invertem a relação e o rádio, de um recurso, se torna a razão de sua atividade. São pessoas interessadas na 'arte' da rádio-comunicação. No aspecto profissional são os cientistas e os engenheiros de telecomunicações. Enquanto hobby, sem finalidades pecuniárias, para o deleite próprio e autodidatismo, são os Radioamadores.

O Radioamadorismo moderno propicia ao seu aficionado a descoberta de novos amigos enquanto experimenta excitantes formas de rádio comunicação através de uma estação caseira reconhecida pelo governo federal. Seus sinais, mesmo de baixa potência, são refletidos pela ionosfera e atingem literalmente todo globo. Alguns procuram fazer contatos via satélite, por repetidoras, outros por reflexão lunar, meteórica, seja na telegrafia, fonia, modos digitais ou imagens. No rádio as limitações técnicas, as fronteiras políticas e as diferenças sociais são relativizadas e essa comunidade formada por engenheiros, jornalistas, políticos, reis, artistas, cientistas, desempregados, aposentados, jovens e idosos promove, independente da origem, cor, credo, idioma e posses, uma verdadeira integração internacional.


Radioamadorismo, Ciência e Educação

O Radioamador é - até pela natureza de seu serviço - um pesquisador nato. Suas atividades derivam de uma longa tradição em inovações técnicas até incorporadas pelas indústrias e outros serviços.

Entre as valorosas contribuições está pioneira utilização das Ondas Curtas para comunicações à distância, o desenvolvimento do FM, das repetidoras em VHF e UHF, o uso do SSB na aeronáutica, a invenção do Walkie-Talkie, o phone patch em repetidoras (espécie de celular experimental), o surgimento da primeira estação de radiodifusão do mundo, a KDKA em Pittsburg (EUA), resultado direto dos experimentos do radioamador Frank Conrad na década de 20. Ainda hoje, apesar da grande oferta de equipamentos industrializados específicos ao Serviço, os radioamadores mantêm um forte vínculo com a experimentação e a livre criação.

Constantemente novas formas de comunicação são criadas e repensadas buscando a melhor ocupação espectral e aproveitamento das condições técnicas de uma estação amadora. Esse foi caso do Dr. Joseph Taylor Junior, radioamador Nobel de Física que desenvolve desde 2002 o programa WSJT, destinado a produzir sinais digitais que possam ser refletidos na Lua ou em áreas ionizadas por meteoros, com sua adequada codificação na Terra.

As redes locais de repetidoras de voz em VHF e UHF também foram integradas por VOIP (Voice Over IP) com programas específicos como o IRLP (Internet Radio Link Project). Assim o radioamador portando apenas um simples Handie-Talkie, que aciona normalmente uma repetidora local em São Paulo (SP), por exemplo, pode estabelecer um contato com um radioamador nas mesmas condições em outra distante repetidora em Belém (PA) ou Tóquio (Japão).

Tais avanços também atingiram o espaço. Desde 1961 os radioamadores produzem pela organização AMSAT (Amateur Satellite Corporation) vários micro e nano satélites de órbita baixa especialmente dedicados às bandas de amador, chamados OSCAR (Orbiting Satellite Carrying Amateur Radio), com apoio das agências espaciais NASA (Estados Unidos), ESA (Europa), NASDA (Japão), a Fundação Mundial do Espaço, o Instituto Americano de Aeronáutica e centros de estudos e pesquisas, como a Universidade de Stanford. Estes satélites propiciam comunicações por transponders de voz, dados digitais (Pacsat, BBS) e transmissão de televisão amadora (ATV) utilizando mini-câmeras (Webersat).

O Brasil também fez parte dessa história quando em 1990 foi lançado da base de Kouru (Guiana Francesa) o satélite radioamador DOVE(AO-17), após muitos anos de planejamento e trabalho do seu mentor, Júnior Torres de Castro (PY2BJO). O satélite foi destinado à transmissão de mensagens produzidas por estudantes sobre a paz e envio de telemetria.


Radioamadorismo, Defesa Civil e Segurança Nacional

Nos primórdios do rádio as estações amadoras ocupavam um grande espaço nas residências devido ao tamanho de seus transmissores spark ou valvulados. Com o passar dos anos o uso dos transistores, circuitos integrados e outros componentes levaram à miniaturização e barateamento dos equipamentos, popularizando o hobby. Isso gerou um numeroso e importante parque paralelo de comunicação com mais de 3 milhões de radioamadores em todo o mundo! Suas estações estão nas sedes de instituições internacionais públicas como a Organização das Nações Unidas (4U1UN, Nova Iorque, EUA), no Conselho Europeu (TC2CE, Estrasburgo, França), em pequenos países como o Vaticano, em zonas rurais e regiões quase desabitadas, onde nem todas empresas de telecomunicações encontram consumidores potenciais que justifiquem seus investimentos.

Mesmo os habitantes das modernas cidades podem sentir falta ou utilizar com dificuldade seus recursos convencionais de comunicação, principalmente na ocorrência de catástrofes naturais como enchentes, terremotos, furacões, incêndios florestais, ações políticas em guerras e ataques terroristas.

Algumas estações de Radioamador trabalham com grande autonomia, com fontes alternativas de energia elétrica, equipamentos portáteis e exercem comunicações ponto a ponto, sem fios, sem intermediações, com um pessoal experiente e motivado pelo voluntariado. Por isso são essas estações e cidadãos os potenciais promotores de comunicações auxiliares às autoridades e população em apuros.

Os radioamadores brasileiros têm constantemente mostrado seu valor social no tráfego de mensagens que tratam de desaparecidos, busca por remédios ou informações sobre parentes distantes. Nas enchentes em Pedro Osório (RS) e em Blumenau (SC, 1983), nas áreas isoladas com centenas de desabrigados, lá estavam os Radioamadores com suas estações portáteis para colaborar e manter as comunicações emergenciais.


Radioamadorismo, geografia e geopolítica

Uma das modalidades mais praticadas de Radioamadorismo é o DXismo ou a comunicação com estações distantes. Nesta atividade o Radioamador rencontra uma forma singular de intercâmbio cultural e, diante das dificuldades técnicas de alguns contatos, uma oportunidade para estudar os processos de propagação das ondas de rádio, o desenvolvimento de antenas de alto ganho, prática operacional aplicada e processos adequados de recepção. Quando o contato é significativo, as estações trocam 'cartões QSLs', verdadeiros documentos impressos comprobatórios de tal feito. Isso confere aos radioamadores diplomas de honra ao mérito mediante vários critérios: o número de países trabalhados (diploma DXCC - DX Century Club), ilhas contatadas (diploma IOTA - Islands on the Air, DIB - Diploma Ilhas Brasileiras), de Estados (WAS - Worked All States, TEB - Todos os Estados Brasileiros), entre tantos outros.

Alguns rankings são divulgados levando em consideração estes resultados e os contatos recordistas em distância abrangida nos diferentes modos de emissão e bandas. Na busca pela superação dessas marcas ou por simples experimentação, alguns amadores se deslocam de suas residências e buscam operações portáteis em locais mais propícios para os contatos, como na orla marítima ou na montanhas, especialmente os praticantes de sinais débeis (weak signals) em VHF, UHF, SHF ou light communication, utilizando feixes LASER de baixa potência. Alguns eventos específicos estimulam a presença do radioamador no campo em dias especialmente dedicados a essa prática, chamados de Field Day.

O Radioamador não só trabalha uma rara estação como integra uma quando viaja até a área 'visada' pela comunidade em uma expedição, 'ativando' um país ou uma ilha exótica que dificilmente dispõe até de alguma estação de rádio. São lugares tão inóspitos que o radioamador necessita do apoio das Forças Armadas no transporte e instalação de sua radical estação portátil. Por outro lado eles mandam um sinal ao mundo, de uma ocupação humana organizada em regiões quase inabitadas, porém de relativa importância geopolítica.

Em alguns destinos os Radioamadores também se deparam com graves questões sociais, com populações extremamente carentes e afastadas de qualquer forma de comunicação. Quando isso ocorre, os expedicionários costumam promover atividades humanitárias e doações como ao Temotu Development Fund durante a expedição para Ilhas Salomão (H40AA) em 1998.

Devido a eficiência e versatilidade de suas comunicações, os radioamadores foram historicamente convidados a ingressar em importantes expedições. Hoje muitos viajantes e modernos exploradores se tornaram radioamadores. Assim foi com Amyr Klink, navegador que nunca dispensou o seu transceptor de HF nas mais difíceis expedições e Vilfredo Schürman que em sua viagem familiar ao redor do mundo, recebeu pelo rádio notícias de toda sorte: do falecimento de seu pai ao nascimento do neto, de amistosos e informais contatos as notícias sobre perigosas tempestades na Oceania (pela estação radioamadora australiana VK4BAG).

E assim o radioamador chegou aos extremos do planeta, no Pólo Norte com a expedição Skitrek (1988) e no Pólo Sul, com a maioria das bases científicas na Antártica dispondo de uma estação radioamadora, operada por cientistas radioamadores.


Radioamadorismo e organização social

Diante de tantos exemplos é evidente a importância que os grupos, clubes e associações de radioamadores desempenham na organização do serviço.

As instituições que representam a classe, nacionalmente pela Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão (LABRE) ou internacionalmente pela União Internacional de Telecomunicações (IARU), exercem um papel fundamental na defesa das condições operacionais e porções espectrais conquistadas pelos radioamadores, influenciando decisões em fóruns e conferências da União Internacional das Telecomunicações (UIT - ITU), órgão das Nações Unidas responsável pelas orientações jurídicas e padrões internacionais em telecomunicações.

Muito do radioamadorismo prático é viabilizado pelas associações e grupos informais de aficionados, no gerenciamento de repetidoras, na realização de cursos, reuniões, palestras, provas e congressos, como o Encontro de DXismo e Contestes. E por todo país os grupos radioescoteiros também introduzem os jovens em atividades práticas e no campo em eventos como o JOTA - Jamboree On The Air.

Alguns grupos e voluntários precisam ainda provocar o surgimento do radioamadorismo em países recém criados ou com regimes fechados, buscando persuadir suas autoridades para os benefícios que uma atividade desta natureza pode proporcionar.


Brasil, a luta pelo respeito e reconhecimento

Apesar de muitos avanços, o serviço no Brasil dispõe de amplas frentes de trabalho técnico e social no estabelecimento de uma política setorial considerando os princípios do serviço, o fortalecimento da RENER, das associações e consolidação de parcerias estratégicas.

Por outro lado, o Radioamador brasileiro está considerando o seu futuro com incerto devido abordagens extremamente cerceadoras e infelizes imputadas pelo próprio governo federal.


Fonte: 
A importância do Radioamadorismo - Cianus L. Colossi, Flávio A. B. Archangelo e Miguel A. C. Mederios.






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